Nos finais do século XIX, Portugal vivia uma época conturbada e as gerações mais novas pediam mudanças. Na Figueira da Foz, 4 jovens reuniam-se para, em segredo, lerem e estudarem um livro clandestino: O Novo Testamento.
Estes jovens: João de Oliveira Coelho, António Maria Mendes, Alfredo Augusto do Amaral e Inácio Rodrigues da Silva, começam a ler os Evangelhos e cruzam-se com o colportor Luiz Gonçalves que os põe em contacto com o pastor Manoel dos Santos Carvalho da igreja Evangélica do Cascão em Lisboa, obreiro da sociedade de evangelização do Rio de Janeiro. (congregacional). Santos Carvalho, já com os seus 80 anos e de longas barbas brancas acompanha estes jovens na sua busca por respostas e, no dia 4 de abril de 1899, é inaugurada na Figueira da Foz uma delegação da Young Men`s Christian Association, (Londres/1844). Esta Associação que chega a Portugal em 1895, pela mão do pastor metodista Alfredo Henriques da Silva, dava pelo nome de União Cristã da Mocidade Portuguesa e ficou depois conhecida como: ACM, Associação Cristã da Mocidade.
Em 1900 iniciaram-se reuniões de Estudo Bíblico e Oração em casa da madrasta de João Oliveira Coelho, Maria Valente Coelho. Alguns historiadores afirmam que se pode dizer que há uma Igreja Evangélica na Figueira da Foz a partir do dia 24 de maio de 1900, o domingo em que o pastor Santos Carvalho celebrou os 2 sacramentos: O Baptismo e a Santa Ceia, baptizando João Oliveira Coelho e a sua madrasta.
A 12 de maio de 1901 é inaugurado na Rua Direita do Monte, o 1º local de culto não católico na Figueira da Foz. Manoel Santos Carvalho presidiu à celebração, ladeado por José Maria Barreto (Igreja Calçada do Cascão), George Robinson (Igreja de Portalegre) e José Marques Lemos (Igreja de Portalegre). A Igreja Evangélica da Figueira da Foz fica ligada à Igreja Congregacional.
Nesse mesmo ano foi criada uma escola primária noturna, sendo o professor João de Oliveira Coelho e, no ano seguinte uma escola para crianças, cuja professora era Maria José Valente Coelho. Estas escolas funcionavam para mais de 100 alunos e em vários locais. Com a transferência de João Coelho para Lisboa em 1907 este ministério terminou.
A Igreja Evangélica da Figueira da Foz, vai firmando-se, abrindo missões (1902: Tavarede, Buarcos e Costa de Lavos, Quiaios. 1903: Alhadas de Cima, Portunhos. 1904: Nanadouro. 1906: Cantanhede. 1908: Cova Gala. 1912: Casal do Mato, Vila Verde. 1921: Regalheira de Lavos. 1922: Seixo de Gatões, Serra das Alhadas. 1935: Carvalhal, Fonte de Ramilo. 1936: Granja do Ulmeiro).
Em 1915, devido a problemas de relacionamento, João Oliveira Coelho, famílias e outros crentes saem da Igreja Evangélica que ajudara a fundar e abre uma nova congregação na Praça Nova, aceitando o sistema presbiteriano e ligam-se à Igreja Presbiteriana de Lisboa pastoreada pelo luso-brasileiro Mota Sobrinho. Assim, de 1915 até à construção do 1º templo em 1932, existem 2 igrejas: A Igreja Evangélica Figueirense (congregacional) E a Igreja Presbiteriana da Figueira da Foz.
Da igreja presbiteriana que funcionava na Praça Nova temos poucos registos, mas sabemos que a igreja congregacional que se situava num primeiro andar de um prédio onde funcionava uma taberna, tinha muitos problemas por casa desta perturbadora vizinhança.
Já em 1926, o pastor Júlio Roberto dos Santos faz este apelo: “A igreja Evangélica Figueirense carece de mudar a sua sede, pois no lugar onde se encontra não poderá continuar! A taberna que nos baixos existe faz tal perturbação com palavras e gritos, que se torna impossível estar com o devido recato, nos atos de culto! Ouve-se tudo no andar onde está a sede da igreja!!! Todos os crentes que amam o evangelho devem contribuir para que acabe tal estado de coisas, oferecendo os seus donativos para a construção da nova casa de oração… Há casas em lugares centrais à venda mas que não poderão ser aproveitadas por falta de meios. Vinde concorrei para a evangelização da Figueira da Foz!”
Em 1932 funda-se a Comissão Edificadora do Templo, em julho de 1930 é lançada a 1ª pedra e, no domingo 15 de maio de 1932 (o domingo mais próximo do dia 12, dia em que a igreja celebraria o seu 31º aniversário) é inaugurado solenemente o templo que hoje conhecemos. Presidiu à cerimónia o pastor José Augusto dos Santos e Silva.
Este novo templo foi reunificador. Na Assembleia de 21 de Maio de 1932, os crentes da Igreja Presbiteriana da Figueira da Foz, liderados pelo seu pastor, Eduardo Moreira, aderem de novo ao congregacionalismo e fecha-se esta capítulo de divisão da comunidade protestante da Figueira da Foz.
Com o seu templo construído, a Igreja Figueirense liderada pelo pastor José Augusto Santos e Silva, ganha dinamismo. Missões são reabertas ou abertas. A Igreja Figueirense apoia os recentes locais de culto Bebedouro e Portomar e também o das Termas de São Pedro do Sul, integra como sua missão a comunidade evangélica da Granja do Ulmeiro e Cova Gala.
Embora as Igrejas Congregacionais estivessem a fazer um trabalho evangelístico notável, a verdade é que os seus pastores estavam a atravessar tempos de grande penúria. A crise económica no Brasil, muito agravada pela 2ª Guerra Mundial fez com que o sustento dos pastores deixasse de chegar. A situação era desesperada e por isso, no dia 8 de novembro de 1946, a Assembleia Geral da Igreja Figueirense mandatou os seus presbíteros e pastores para subscreverem a adesão ao movimento presbiteriano. A 24 de fevereiro de 1947, foi assinada a Declaração que estabelecia o acordo para a adesão da Igreja Evangélica Figueirense ao regime presbiteriano.
Mesmo em Portugal os tempos começam a mudar e os cultos e atividades da Igreja também mudam, as mulheres ganham espaço e, de novo os jovens voltam a ser um motor de mudança na Igreja. Pela Igreja Figueirense passam os obreiros: Teófilo Carnier, Francisco Cruz, António Vieira da Silva, Augusto Esperança, João Severino Neto, Issac Rodrigues Aço, José Manuel Leite, Manuel Pedro Cardoso.
Em 1969 é inaugurado em Buarcos, na Quinta dos Vais, o CER – Centro Ecuménico de Reconciliação. Este centro trouxe para a Figueira da Foz o que de melhor acontecia na altura em diálogo ecuménico a nível nacional e mundial. O CER, representa a colaboração entre a Igreja Presbiteriana, Igreja Metodista e Igreja Lusitana – Anglicana. A partir dessa data acontecem debates internacionais e nacionais, reflexão teológica que marcou várias gerações de protestantes e católicos em Portugal.
Com a compra desta quinta, os Campos de Férias para crianças e jovens deslocam-se para a Figueira da Foz e, mais tarde iniciam-se os campos de jovens e Campos Ecuménicos. Estes encontros trazem novas ideias e novas formas de culto para a Igreja da Figueira da Foz. Para além de todas as atividades do Centro Ecuménico de Reconciliação, dos Campos Bíblicos, a criação do Centro Social da Cova Gala proporcionou à Igreja Figueirense muitos intercâmbios com a Suíça, Bélgica e Alemanha e, muitos dos seus membros faziam viagens de angariação de fundos e de divulgação da cultura portuguesa junto das igrejas irmãs.
Com a vinda do pastor Andreas Ding como pastor da Igreja Figueirense, a igreja ganhou um maior cariz de apoio aos jovens. O projecto A-zone destinado sobretudo a crianças e adolescentes em risco, veio criar uma rede de apoio a famílias com dificuldades e deu ferramentas de superação a muitos jovens. Muitos dos pastores da Igreja Figueirense acumularam também a direção do Centro Social da Cova Gala, como foi o caso da pastora Sandra Reis.
Na história da Figueira da Foz, há uma página protestante que é fundadora: uma igreja centenária que muito contribuiu para a literacia, a cultura, o empoderamento feminino e o ecumenismo. O CER que para além de ser um polo de acolhimento e de abertura de horizontes na vida para centenas de crianças, adolescentes e jovens, trouxe à Figueira da Foz um olhar ecuménico de pluralidade e respeito. O Centro Social da Cova Gala, centro de apoio social incontornável na cidade. E, ainda, foi protestante o 1º presidente da Câmara eleito depois do 25 de Abril, o pastor José Manuel Leite.
Recentemente alguns pastores presbiterianos envolveram-se, juntamente com católicos, num projecto inovador de diálogo inter-religioso, acolhendo diversas escolas de pensamento: Diálogos ComSentidos.
(https://www.facebook.com/dialogoscomsentidos/)
Hoje a Igreja da Figueira, pastoreada pelo pastor João Pereira, continua a ser uma Igreja aberta, que vive do Espírito Santo, na escuta de Deus e, por isso, damos as boas-vindas a todos, com confissão ou sem confissão, para estarem connosco e juntos escutarmos os desafios da Vida. Continua a ser um espaço onde a discussão de temas fraturantes da vida é feita sem tabus, de forma livre e profunda, pois acreditamos que se Jesus aqui caminhasse fisicamente, seria essa atitude a que nos desafiaria com a sua forma de ser, agir e ensinar.
Fontes:
CALADO, Paulo Santo e Silva. (2012). A Obra Evangélica Congregacional em Portugal
CARDOSO, Manuel Pedro. (2001). 1901-2001: Um século na Figueira da Foz.
https://igrejaprotestante.pt/historia-iepf/
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